29 de
maio de 2015
As
votações da chamada “reforma política” no Congresso acontecem num ambiente
restrito e restritivo e o resultado pode ser um sistema político ainda pior do
que o que temos hoje. Os partidos tem hoje o monopólio da política, a sociedade
não participa das decisões e suas manifestações e protestos não são
consideradas pelos que detém o poder. Havia um ensaio de debate sobre a
reforma, com uma comissão encarregada de receber e encaminhar para análise do
Congresso propostas como da OAB e da CNBB, mas até o trabalho dessa comissão
foi desprezado agora no início das votações. Dessa forma, não estão sendo
debatidas propostas de reforma para qualificar e atualizar o sistema político,
mas pontos isolados (distritão, reeleição, financiamento etc), que podem ser
aprovados ou não dependendo das negociações e disputas de interesses dos grupos
que comandam os partidos. O resultado pode ser um novo monstro de Frankenstein,
um arranjo na indústria eleitoral para garantir os privilégios de quem já tem
poder.
O Brasil
precisa de uma reforma política de verdade, que democratize o funcionamento das
instituições e a escolha de seus dirigentes. A mudança no financiamento de
campanha é necessária para impedir o abuso do poder econômico, mas o que está
prevalecendo é a continuidade de um tipo de financiamento que propicia esse
abuso. Como bem notou Aldo Fornazieri, com o financiamento compulsório do
contribuinte via fundo partidário, os partidos estão se transformando em verdadeiras autarquias.
A possibilidade de candidaturas independentes, de pessoas que defendem um
programa mesmo não sendo filiadas a partidos, poderia abrir as portas do
Congresso à sociedade, mas o que está prevalecendo é o monopólio das atuais
oligarquias partidárias. No momento em que a sociedade mais rejeita os
partidos, querem dar mais poder a eles.
Na verdade,
o que estamos vivendo é resultado do vale-tudo eleitoral, da ruptura de todos
os limites éticos por parte daqueles que queria ganhar – e ganharam – as
eleições a qualquer custo. Foi criado um ambiente que é ao mesmo tempo de
intolerância e permissividade. Intolerância contra quem propõe mudanças,
permissividade para quem faz barganhas fisiológicas. A montagem dos governos
com distribuição de cargos por critérios partidários e eleitorais é apenas a
aplicação, no Poder Executivo, de uma postura política anti-republicana em
todos os níveis. É essa postura que a sociedade rejeita cada vez mais e que
precisa ser mudada.
Esse
debate ético é necessário. Afinal, ninguém precisa de uma lei para saber que
não deve usar dinheiro ilícito, que não deve mentir e caluniar os adversários,
que não deve defender interesses privados fingindo defender o interesse
público. Esses preceitos não são de uma ética pessoal, eles são a base do
contrato social. Sem sustentabilidade ética, a sociedade naufraga na crise
generalizada e a política é rombo no casco que a faz afundar. As reais
lideranças políticas do país tem nas mãos a responsabilidade de chamar a
atenção de seus correligionários, amigos e aliados e incentivá-los a uma
mudança de postura, sem a qual, jamais conseguirmos reformar as leis e as
estruturas.
11 de
maio de 2015
Artigo de Aldo Fornazieri,
professor da Faculdade de Sociologia e Política de São Paulo, publicado em
11/05/2015
A recente
triplicação do valor do Fundo Partidário, que passou de R$ 294 milhões para R$
867 milhões, representa um passo a mais na estatização e na autarquização dos
partidos políticos brasileiros. A dependência estatal dos partidos está
relacionada a uma série de outros itens: programas gratuitos de rádio e TV nas
campanhas eleitoras (pago com recursos públicos); verbas para os gabinetes
parlamentares; cargos de livre provimento em organismos da União, Estados e
municípios; recursos para institutos e “ONGs” partidárias; contratação de
empresas e consultorias ligadas a partidos políticos etc.
A
estatização dos partidos os leva à sua autarquização em relação à sociedade e
ao eleitorado. Este conceito exprime a ideia de que os partidos dependem cada
vez menos dos eleitores e de vínculos com grupos e movimentos sociais.
Tornam-se cada vez mais autônomos. Isto, em parte, explica a crise de
representação política.
Muito se
tem discutido sobre a crise dos partidos e da representação. Um dos supostos
básicos é o de que a crise dos partidos provoca a crise de representação. A
tese é apenas parcialmente verdadeira, pois é preciso dimensionar melhor o que
se entende por “crise dos partidos” e se ela é real ou suposta. Bernard Manin,
por exemplo, declarou que estamos vivendo os estertores da democracia
partidária. Mas, por onde quer que se olhe, os partidos continuam no comando
apesar das crises econômicas e sociais, das guerras, do crescimento das
desigualdades, do fracasso das políticas públicas e da incapacidade dos
governos apresentarem soluções minimamente razoáveis para os problemas
existentes. Em contrapartida, verificou-se, nos últimos tempos, o fracasso dos
movimentos autonomistas, das organizações em rede e similares.
O mais
provável, então, é que esteja ocorrendo uma metamorfose das organizações
partidárias e sua adaptação às novas condições econômicas, sociais, culturais e
tecnológicas do nosso tempo. Essa metamorfose traz como consequência uma
dependência crescente dos partidos ao Estado e aos grupos econômicos e uma
dependência decrescente em relação à sociedade e aos eleitores. É o Estado e
são os grupos econômicos quem financiam os partidos e as campanhas eleitorais.
As campanhas eleitorais executadas pelos meios de comunicação de massa (rádio e
TV), a internet e as redes sociais colocaram nas mãos dos partidos meios de
propaganda que dependem cada vez menos da mobilização de militantes e de grupos
sociais.
A crise
de representação, por seu turno, é real. As pessoas se sentem pouco
representadas pelos partidos, pelos políticos e pelas instituições do Estado.
Se a estatização provoca o fenômeno da autarquia dos partidos, então ela é um
elemento da crise de representação, mas não explica a totalidade dessa crise. O
surgimento da democracia monitória (instituições e organizações que criticam e
fiscalizam os partidos e os políticos) também gera a perda de confiança e de
capacidade representativa dos partidos.
Por outro
lado, é preciso levar em conta que a própria sociedade civil está se tornando
cada vez mais complexa. As pessoas se agregam em inúmeros movimentos,
organizações, grupos e entidades que também passaram a exercer papéis de
representação e de reivindicações que extrapolam apenas os interesses
salariais. Esses entes se mostram mais flexíveis e permeáveis e menos
burocráticos do que os partidos e, consequentemente, exercem mais atratividade
sobre os jovens e outras pessoas que buscam algum tipo de participação. O
acesso que eles têm a autoridades políticas e às casas legislativas tornam os
partidos prescindíveis como elementos de mediação e ligação, e transformam a
democracia numa espécie de democracia de audiências. Assim, a autarquização dos
partidos requer apenas identidades fracas entre o partido e os militantes e o
partido e seus eleitores. Para os partidos mais fortes, o que importa é vencer
eleições e para os mais fracos, se associar aos partidos vencedores. As
eleições se tornaram o principal meio de acesso a recursos estatais, cargos e
recursos de campanha.
Liderança
fraca e partido-agência – A dissolução das ideologias, a indiferenciação entre
os partidos, a sua burocratização e autarquização, o seu baixo nível de
dependência da militância e dos grupos sociais, a pasteurização das campanhas
pelo marketing o enfraquecimento da necessidade de mobilização da sociedade e
da militância para vencer eleições, constituem um conjunto de elementos que
enfraquecem também a necessidade de líderes políticos fortes. Líderes políticos
fortes, carismáticos e autênticos só surgem em contextos sociais de mobilização
e de luta. Cada vez mais, aqueles líderes cedem lugar a políticos de baixo
perfil de liderança, a políticos que mascaram suas identidades com a fisionomia
de gestores, mas que, quase sempre, são carreiristas, oportunistas e corruptos.
O que
existe hoje, portanto, é uma democracia de paradoxos: os partidos representam
cada vez menos, são cada vez mais fracos junto à sociedade, mas, ao mesmo
tempo, mais fortes no poder. A crise de representação dos partidos não abala
seu poder. Pelo contrário, o fortalece por estarem os partidos cada vez menos
sujeitos à pressão da sociedade.
No início
do século XX, Max Weber e Robert Michels já consideravam que a crescente
burocratização, racionalização, hierarquização e oligarquização dos partidos
políticos os tornariam cada vez menos dependentes da militância e das massas.
Weber via os partidos se transformando em “maquinas de poder”, funcionando mais
como empresas agregadoras de interesses econômicos. Na medida em que os
partidos são cada vez mais estatais eles se assemelham com agências que fazem a
mediação dos interesses dos grupos econômicos com o Estado. O próprio discurso
dos interesses gerais da sociedade perde relevância na retórica dos partidos,
cedendo espaço para o discurso dos interesses grupais e particulares.
Se nesta
democracia de paradoxos a crise parece ser menos dos partidos e mais de
representação, a atenção deve ser deslocada da preocupação com a salvação dos
partidos para a preocupação com a geração de novas formas de representação e de
participação política da sociedade. A lacuna existente entre os representantes
e os representados não só vem aumentando, mas se torna cada vez mais insanável
à medida que os partidos se interessam cada vez menos pela militância e pelos
seus vínculos sociais e à medida que a sociedade se interessa cada vez menos
pelos partidos. Mas a sociedade não deixa de manifestar seu desconforto e
descontentamento para com a representação. Será a sociedade civil, cada vez
mais complexa e plural, que poderá fazer surgir novas estruturas de
representação. Só faz sentido apostar na criação dessas estruturas se elas
significarem desconcentração de poder e ganhos em termos de participação e
decisão democráticas.
Fonte: http://infograficos.oglobo.globo.com/brasil/mapa-dos-sistemas-eleitorais-no-mundo.html,
28/05/2015