Aprendizado essencial
Marina Silva
Ninguém deveria
estar surpreso, sabíamos que iria ocorrer. A internet ajuda a mudar tudo: a
cultura, os negócios, as comunicações. Por que só a política não seria afetada?
Carlos Nepomuceno
diz que três fatores ajudaram a transformar o mundo: a impressão em papel, a
Revolução Francesa e a independência dos EUA. Eles compuseram a realidade de
dois séculos e nos trouxeram até aqui, mas são insuficientes para configurar um
mundo com 7 bilhões de pessoas e uma ferramenta que quebra as estruturas
convencionais para intermediar a informação, a internet.
Tenho falado, aqui
mesmo na Folha, daquilo a que chamo movimentos de borda. Eles se afastam do
centro político estagnado, das instituições enrijecidas, das disputas por
dinheiro e poder. Neles predomina um ativismo autoral, não mais dirigido por
partidos ou lideres carismáticos. A presença destes é residual e produz
incômoda sensação de oportunismo. Não há comando único, há relação horizontal e
lideranças móveis: hoje lidero, amanhã sou liderado; hoje sou arco, amanhã sou
flecha.
Esse ativismo não
tem porto, carrega sua âncora e estaciona onde quer. Basta ver quantos sites
temporários há na internet, usados numa mobilização ou num momento.
O essencial é
perceber o que está latente. Não são os 20 centavos no Brasil, as árvores da
praça na Turquia, ou qualquer demanda simbólica visível. O que está em pauta é
a democratização da democracia. As pessoas não querem ser meros espectadores,
lugar em que foram colocadas pelos partidos que detêm o monopólio da política.
Querem ser protagonistas, reconectar-se com a potência transformadora do ato
político.
Deve-se reconhecer
esse desejo e respeitar o sujeito político que surge. Muitos se apressaram em
desqualificar os novos movimentos, os abaixo-assinados, a campanha de defesa
das florestas, a solidariedade aos índios, o "Fora Renan". Agora se
esforçam para descobrir uma forma de interlocução, mas mantendo a ansiedade de
liderar, usurpar, controlar.
Não basta dar 20
centavos para tirar o incômodo da sala. O que está havendo é significativo: no
país do futebol, durante a Copa das Confederações, as pessoas protestam contra
o custo dos estádios e dizem que queremos nosso dinheiro em saúde e educação.
O Brasil pode
aprender a fazer diferente: nem transição eterna e lenta nem ruptura brusca,
mas o diálogo produtivo e criativo da democracia ampliada. Temor de vandalismo?
Ora, cultivemos uma cultura de paz. Prefiro sentir-me representada pelas
pessoas que estão nas ruas, dizendo o que não querem, a exigir que tenham
projetos definidos.
Não há salvadores
da pátria, há homens e mulheres que trabalham juntos. Que seja este nosso
aprendizado essencial, nossa maior mudança.
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