Por Michael Löwy
O famoso marxista
italiano Antonio Gramsci dizia que o revolucionário socialista deve combinar o
pessimismo da razão com o otimismo da vontade. Desse modo, dividirei em duas
partes este artigo que discute as alternativas de desenvolvimento para superar
o modelo produtivista-consumista. Em primeiro lugar, tratarei do pessimismo da
razão: as coisas vão mal. E, em seguida, do otimismo da vontade: quem sabe,
elas podem mudar, e um caminho para isso é o do ecossocialismo.
A primeira parte
discorre, portanto, sobre o pessimismo da razão. Simplesmente somos obrigados a
constatar que o atual modelo de desenvolvimento do capitalismo industrial
moderno, particularmente em sua variante neoliberal, baseada no produtivismo e
no consumismo, está conduzindo a humanidade – e não o planeta – a uma
catástrofe ecológica ou ambiental sem precedentes em sua história.
Por que digo “a
humanidade” e não “o planeta”? Porque o planeta, qualquer que seja o estrago
que façamos, vai continuar tranquilo, girando. Ele não será atingido. Quem será
afetada pelo desastre ecológico será a vida no planeta, serão as espécies
vivas, dentre elas a nossa, o Homo sapiens. Esse é o âmago do
problema, que serve para evitar discussões um pouco abstratas, como “temos que
salvar o planeta”.
Porém, não é o
planeta que está em perigo, somos nós e as outras espécies vivas. Isso porque a
lógica atual do sistema, de expansão e crescimento ao infinito, e o atual
modelo de desenvolvimento, que segue a lógica do produtivismo e do consumismo,
conduzem, inexoravelmente – e independentemente da boa ou da má vontade de
empresários ou governos – à degradação do meio ambiente e à destruição da
natureza.
Isso se manifesta
em vários aspectos, como no desaparecimento de algumas espécies. Já se calcula
que, com o business as usual, como diz a
expressão americana, daqui a algumas dezenas de anos não vão mais existir os
peixes. São espécies que existem há milhões de anos e que a humanidade consome
há dezenas de milhares de anos. E já estão desaparecendo.
Outro aspecto
importante é o envenenamento, por meio da poluição, do ar das cidades, da
terra, do solo, dos rios, do mar, ou seja, a degradação dos equilíbrios
ecológicos. Uma série de aspectos que vão se acumulando, e, com todos esses
elementos, o sinal vai passando do amarelo para o vermelho. No entanto, o mais
grave de todos esses aspectos da destruição do meio ambiente e dos
desequilíbrios ecológicos, o mais ameaçador e inquietante, é a mudança
climática ou o aquecimento global.
Não farei aqui uma
análise científica disso, suponho que já seja de conhecimento geral. A emissão
de gases a partir da queima dos combustíveis fósseis (carvão, petróleo, gás) e
sua acumulação na atmosfera produzem o efeito estufa e o aquecimento global.
Esse processo, a partir de certo nível de aquecimento, por volta de dois ou
três graus a mais, vai conhecer uma espécie de aceleração e crescimento
descontrolado que pode chegar a quatro, cinco, seis ou mais graus. E o que vai
acontecer com isso?
No livro Six Degrees: Our Future on Hotter Planet (Seis Graus:
nosso futuro em um planeta mais quente), o especialista inglês Mark Lynas
descreve como será o planeta quando a temperatura subir seis graus. Segundo
ele, se compararmos o inferno de Dante com o planeta com seis graus a mais, o
inferno de Dante vai parecer um passeio de fim de semana. O autor analisa as
consequências disso, como o desaparecimento da água potável e a
desertificação, dois fenômenos que estão interligados. Alguns pesquisadores já
calcularam que o deserto do Saara pode atravessar o Mediterrâneo e chegar à
Europa, às portas de Roma, dentro de uma longa lista de outros desastres.
Outro aspecto ainda
mais inquietante é a subida do nível do mar, que resulta do derretimento do
gelo dos Polos Norte e Sul, em particular da Groenlândia, um gelo que não está
sobre a água, mas sim em cima da terra. Já se calculou que, se o nível do mar
subir poucos metros — um, dois ou três —, várias das principais cidades da
civilização humana, como Londres, Amsterdã, Hong Kong, Rio de Janeiro, ficarão
debaixo d’água. Também boa parte do que é a orla marítima dos países desaparecerá.
E o que acontece se derreter todo o gelo que está no Polo Norte e no Polo Sul?
O mar pode subir até setenta metros, para se ter uma ideia da magnitude da
ameaça.
Obviamente, isso
não vai acontecer na próxima semana, mas esse processo de aquecimento global e
de derretimento dos gelos está se acelerando. Há alguns anos, os especialistas
diziam que esses processos estavam previstos para 2100, ou seja, para o fim do
século XXI. Portanto, atingiria nossos bisnetos que ainda não nasceram, e
precisamos pensar neles. Só que normalmente as pessoas não se preocupam
com o que vai acontecer com os bisnetos que ainda não nasceram, não é uma
prioridade. No entanto, os trabalhos mais avançados dos cientistas, os mais
recentes, apontam para processos irreversíveis do aumento de temperatura, com
todas as suas consequências, já nas próximas décadas, antes de 2100. Ninguém
pode dizer se será daqui a vinte, trinta, quarenta ou cinquenta anos, mas a
coisa está muito mais próxima.
Um exemplo disso
são os escritos do cientista americano James Hansen, o principal climatólogo
dos Estados Unidos, que trabalha para a NASA, e que não é um homem de esquerda,
não tem nada a ver com o marxismo. Hansen é um cientista que há alguns anos vem
tocando o sinal de alarme, mas durante o governo do presidente George W. Bush
tentaram proibi-lo de falar. Mandaram para ele um recado dizendo que ele
era um funcionário do governo americano e que o que ele estava dizendo sobre o
perigo do aquecimento global não era a linha do governo, o qual considera tudo
isso uma bobagem. Pediam, por favor, que ele calasse a boca, e, mais que isso,
afirmavam que estava proibido de falar.
Um acontecimento
sem precedente desde Galileu, quando a Inquisição ordenou a ele que não deveria
dizer que a Terra se mexe, que estava proibido pela Igreja Católica. Desde essa
época, não houve caso tão absurdo de um governo proibir um cientista de se
manifestar. Obviamente ele não obedeceu, continua a protestar e a escrever
sobre isso e é respeitado mundialmente como um grande climatólogo.
Ele afirma que o
processo está se acelerando e que é uma questão de décadas. E os especialistas
do gelo — os glaciólogos, que vão para o Polo Norte e para o Polo Sul e medem e
calculam esses fenômenos — dizem que não estão entendendo nada do que está
acontecendo. Está tudo indo muito mais depressa do que eles pensavam. Em 2010,
fizeram um cálculo de como o gelo estava derretendo e, em 2011, viram que o
cálculo estava errado, que o modelo utilizado não estava funcionando, que
estava indo muito mais rápido. Portanto, são questões científicas e políticas
que têm a ver com o futuro da humanidade.
De quem é a culpa
dessa ameaça sem precedentes na história da humanidade? Os geólogos calculam
que há 60 milhões de anos houve um processo de aquecimento global que matou
quase tudo o que existia no planeta. Depois levou algumas dezenas de milhões de
anos para a vida voltar ao planeta. Mas, desde que existe a humanidade, nunca
existiu nada parecido, é algo sem precedentes. Os cientistas dizem que é culpa
do ser humano, que o aquecimento global é resultado da ação humana. Os
geólogos dizem que estamos entrando em uma nova era geológica chamada
Antropoceno. Isto é, uma era geológica em que a situação do planeta, o clima,
depende da ação humana e está sendo transformada por ela.
Essa explicação é
cientificamente correta, mas eu diria que é um pouco limitada politicamente.
Isso porque a humanidade já vive no planeta há algumas dezenas de milhares de
anos, desde que apareceu o Homo sapiens, e o problema do
aquecimento global, essa acumulação de gases na atmosfera, vem da Revolução
Industrial. Começou em meados do século XVIII, quando esses gases foram se
acumulando, e se intensificou enormemente nas últimas décadas, as décadas da
globalização capitalista neoliberal. Portanto, o culpado dessa história não é o
ser humano em geral, mas um modelo específico de desenvolvimento econômico,
industrial, moderno, capitalista, globalizado, neoliberal: esse é o responsável
pela atual crise ecológica e pela ameaça que pesa sobre a humanidade.
Quais são as
soluções que propõem os representantes da ordem estabelecida? Há uma proposta
que é a seguinte: as energias fósseis são as responsáveis pelo problema, por
isso, vamos substituí-las por formas de energia limpas, que não produzem gases,
e são seguras, como a energia nuclear. Está aí uma solução técnica e fácil para
o problema: construir usinas nucleares. Isso foi feito em grande escala nas
últimas décadas. Em 1986, houve um incidente desagradável, em Chernobyl, na
União Soviética. Cientistas calculam que as vítimas de Chernobyl que foram
morrendo no curso dos anos, resultado das irradiações, chegam a 800 mil mortos
— mais do que todos os mortos de Hiroshima e Nagasaki, por decorrência da bomba
atômica. O argumento dos responsáveis pela energia nuclear era de que isso
aconteceu na União Soviética, um país totalitário, burocrático, com tecnologia
e gestão atrasadas; no ocidente, com empresas privadas, isso não aconteceria.
Esse discurso foi repetido muitas vezes até que ocorreu o acidente de
Fukushima, no Japão, em 2011. A empresa responsável pela usina, Tokyo Electric
Power Company (TEPCO), é a maior empresa privada de eletricidade do mundo. É a
mais esplêndida manifestação do capitalismo privado no terreno da energia
nuclear. Desse modo, fica claro que essa não é uma alternativa aos
combustíveis fósseis, temos que procurar outras.
Há alguns anos, na
época Bush, vazou para a imprensa um documento secreto do Pentágono sobre a
questão do aquecimento global. O governo dizia que esse problema não existia,
mas os cientistas do Pentágono sabiam que sim. Apresentaram um documento
prevendo o que iriam fazer se o aquecimento global escapasse de qualquer
controle e chegasse a seis graus, e a vida humana se tornasse impossível no
planeta. Era uma possibilidade considerada pelos cientistas do Pentágono. A
única proposta que conseguiram elaborar foi a de mandar um foguete para o
planeta Marte. Eles inclusive detalham quem estaria nesse foguete: o presidente
dos Estados Unidos, o Estado Maior do Exército, cientistas etc. Como não
estamos convidados para essa viagem, não nos interessa a proposta. Esse é
apenas um exemplo do tipo de solução considerada.
Obviamente, há
tentativas mais sérias de solução, como a ideia de que precisamos desenvolver
energias alternativas: hidrelétrica, eólica e solar. Com exceção da
hidrelétrica, que já tem um desenvolvimento importante, em países como o
Brasil, as outras são pouco desenvolvidas. E por uma razão bem simples: são
menos rentáveis do que o petróleo e o carvão. Por isso, não interessa
às empresas e aos Estados, com algumas exceções, investir maciçamente
nessas energias. Em alguns países, chega a 10% o índice de energia produzida
por fontes alternativas, mas o resto continua com o carvão e o petróleo. Seria
necessária uma mudança em grande escala, acabar com os combustíveis fósseis e
desenvolver energias alternativas. Por enquanto, nenhum governo está fazendo
isso, embora os cientistas já tenham dado o recado: se não mudarmos
drasticamente o padrão de matriz energética, nos próximos dez ou vinte anos a
situação fugirá do controle. É uma questão de rentabilidade — que é o que conta
— e de competitividade.
Outra tentativa
mais interessante por parte dos governos foram os Acordos de Kyoto. Eles têm
alguns aspectos positivos no sentido de serem acordos em que os governos se
empenham em reduzir as emissões de gás. Só que isso não funcionou, por várias
razões, dentre as quais o método utilizado, que é o mercado dos direitos de
emissão, que não poderia conduzir a uma efetiva redução. Mesmo que o objetivo
de Kyoto tenha sido muito pequeno — reduzir em 8% as emissões, enquanto os
cientistas estão dizendo que precisamos reduzir em 40% nos próximos anos —, ele
não foi alcançado. Além disso, os principais poluidores, os Estados Unidos, não
assinaram Kyoto. E o país que está aparecendo como o segundo colocado nas
emissões, a China, tampouco assinou.
Houve uma
conferência em Copenhague, em 2009, para discutir esses problemas e o que fazer
com as ameaças do aquecimento global. Os Estados Unidos utilizaram o argumento
de que, embora sejam os maiores responsáveis pelas emissões de gases poluentes,
a China está emitindo tanto quanto eles, e, se esse país não fizer nada, não
serão eles que tomarão a iniciativa. A isso o governo chinês respondeu, com
certa razão, que os Estados Unidos vêm emitindo gases há um século, têm uma
responsabilidade histórica. Só agora que os chineses iniciaram, portanto, os
Estados Unidos é que deveriam começar a reduzir suas emissões. Só depois disso,
a China poderia discutir esse assunto. Ou seja, cada um jogou a peteca para o
outro. E os governos europeus disseram que se os Estados Unidos e a China, que
são os principais emissores, não fazem nada, não serão eles, os europeus,
que irão resolver o problema. Dessa forma, todos os governos chegaram ao acordo
de que era urgente não fazer nada, cada um com seus argumentos. O resultado da
conferência de Copenhague foi praticamente zero. Isso ilustra, entre outras
coisas, o poder da oligarquia fóssil, ou seja, os interesses do carvão, do
petróleo, da indústria automobilística, enfim, de todo esse complexo gigantesco
de que dependem as energias fósseis, que não tem a mínima vontade de mudar a
matriz energética.
Outra coisa que se
deve dizer é que mesmo se as energias fósseis fossem substituídas pelas
energias renováveis, estas também têm seus probleminhas, como os impactos
socioambientais da energia hidrelétrica. Portanto, é uma ilusão achar que é só
uma questão técnica, de mudar a matriz energética, embora isso seja
fundamental. De qualquer maneira, teremos de reduzir significativamente o
consumo de energia e, consequentemente, a produção econômica e o consumo. O
desenvolvimento alternativo ao produtivismo e ao consumismo implica uma redução
da produção e do consumo, a começar pelos países capitalistas avançados,
evidentemente, que são os principais responsáveis e os maiores produtivistas e
consumistas.
Até aqui vai o
pessimismo da razão. Agora, vamos começar com o otimismo da vontade, senão fica
muito triste essa história. Vou iniciar com Copenhague, onde houve a
conferência oficial, que não decidiu nada, mas que também foi palco de um
protesto. Saíram às ruas 100 mil pessoas da Dinamarca e da Europa, protestando
contra essa inércia das potências capitalistas, levando como palavra de ordem
principal: “change the system, not the climate”, ou seja, “mudemos
o sistema, não o clima” — o sistema capitalista, evidentemente. Essa é a
esperança, a de uma luta por transformação sistêmica, por alternativas
radicais. Radical vem do latim radix, que significa raiz. Se a raiz do problema
é o sistema capitalista industrial, moderno, globalizado, neoliberal, então
devemos atacar a raiz do problema. Essas seriam, portanto, as alternativas
radicais pós-capitalistas. Aqui vem a proposta do ecossocialismo.
Por que
ecossocialismo? Em que se distingue do socialismo tradicional? O ecossocialismo
é uma crítica, por um lado, do socialismo não ecológico, que foi a experiência
fracassada soviética e de outros países, que do ponto de vista ecológico não
representou nenhuma alternativa ao modelo ocidental. Pelo contrário, tratou de
copiar o modelo produtivo do capitalismo ocidental. Ecossocialismo é uma
crítica desse socialismo — ou pseudossocialismo — não ecológico, soviético,
etc.
Por outro lado, é
uma crítica à ecologia não socialista, que acha que podemos ter um modelo
alternativo de desenvolvimento nos quadros do capitalismo, do mercado
capitalista. Do ponto de vista ecossocialista, achamos que isso é uma ilusão,
pela própria dinâmica de expansão necessária ao capitalismo, de crescimento,
que leva necessariamente a uma colisão com a natureza e com os equilíbrios
ecológicos. O capitalismo sem crescimento, sem competição feroz entre empresas
e países pelos mercados, é impossível e inimaginável. Temos no ecossocialismo,
desse modo, uma crítica ao ecologismo de mercado.
É uma crítica
também, ou autocrítica, a certas concepções tradicionais na esquerda em geral,
e no marxismo em particular, sobre o que é uma transformação socialista. Há uma
visão clássica de que é preciso mudar as relações de produção — propriedade
coletiva, em vez da privada — para permitir que as forças produtivas se
desenvolvam, já que as relações de produção são um obstáculo ao livre
desenvolvimento das forças produtivas. Mas não passa por aí. Primeiro, porque
não é possível o desenvolvimento ilimitado das forças produtivas. E, em segundo
lugar, porque pensar em uma transformação e em um modelo alternativo de
desenvolvimento implica questionar não só as formas de propriedade e as
relações de produção, mas as próprias forças produtivas, o próprio aparelho
produtivo.
Esse aparelho
produtivo, criado pelo capitalismo ocidental, industrial, moderno, é
incompatível com a preservação do meio ambiente, por sua matriz energética e
por sua forma de funcionamento, que inclui o agronegócio, o uso de pesticidas,
entre toda uma série de características que mostram que esse aparelho produtivo
não serve. Temos que pensar em uma profunda transformação, não só das
relações de produção, mas do aparelho produtivo.
Mas não é só isso:
precisamos pensar em uma transformação do padrão de consumo. É insustentável o
padrão de consumo do capitalismo moderno. Isso significa que seria necessária
uma redução do consumo, mas para quem? Nem todo mundo tem que apertar o cinto,
não é bem assim. Primeiro, é uma questão de desigualdade social. O consumo é
dez ou cem vezes maior nos países avançados. Eles são os primeiros que têm
que começar essa mudança. Segundo, há uma diferença enorme entre o consumo
ostentatório das elites dominantes e o consumo das classes populares: uns comem
feijão e milho e outros compram iates enormes, helicópteros, etc. Não é a mesma
coisa. Não é o que come milho que vai ter que comer menos milho. É o que compra
palácios de luxo que vai ter que reduzir drasticamente seu consumo
ostentatório.
Além disso, existe
no capitalismo algo que se chama obsolescência planificada dos objetos de
consumo. Dentro do capitalismo, os objetos de consumo já têm, em sua própria
concepção, sua obsolescência prevista para o mais rápido possível. Todo mundo
sabe que a geladeira de quarenta anos atrás durava quarenta anos, e as
geladeiras de agora duram três anos. Isso é necessário: para o capital vender
mais e mais geladeiras, produzir mais e mais, precisa ter uma duração muito
menor. É parte do padrão produtivista e consumista, e também precisa ser
modificado.
Precisamos,
portanto, de mudanças nas formas de propriedade, no aparelho produtivo, no
padrão de consumo, no padrão de transporte. O atual modelo, baseado no carro
individual para as pessoas e no caminhão para as mercadorias, é insustentável,
até porque depende do petróleo. Por isso, precisamos pensar no desenvolvimento
do transporte coletivo, no trem em vez do caminhão, entre outras medidas.
Tudo isso vai configurando uma mudança bastante radical no padrão de
civilização. Na verdade, a proposta ecossocialista, de um novo modelo de
desenvolvimento mais além do produtivismo e do consumismo, coloca em questão o
paradigma da civilização capitalista ocidental, industrial, moderna. É uma proposta
bastante profunda. Precisamos pensar em um novo padrão de civilização, baseado
em outras formas de produzir, consumir e viver. Essa é a discussão que está
colocada.
É uma proposta
revolucionária, mas talvez a revolução tenha que ser redefinida. Gosto muito de
citar uma frase de Walter Benjamin. Em suas Teses sobre o conceito de história, ele diz: “Nós, marxistas, temos o
hábito de dizer que as revoluções são a locomotiva da história. Mas talvez a
coisa seja um pouco diferente. Talvez as revoluções sejam a humanidade puxando
os freios de emergência para parar o trem.” É uma imagem bastante atual.
Hoje em dia, somos todos passageiros de um trem, que é a civilização
capitalista, industrial, ocidental, moderna. Esse trem está indo, com uma
rapidez crescente, em direção ao abismo. Lá na frente há um buraco que se chama
aquecimento global ou crise ecológica. Não se sabe a quantos anos de distância
se encontra esse abismo, mas ele está lá. Portanto, a questão é parar esse trem
suicida e mudar de direção. É o desafio colocado pela proposta ecossocialista.
Agora, muitos
dirão, com razão, que é uma proposta simpática e até interessante, mas e daí,
como é que vamos daqui até lá? Não basta ter uma bela utopia. Acho que temos
que partir da ideia de que o ecossocialismo é algo para um futuro imaginário,
mas que devemos começar aqui e agora. Começando, modestamente, com
movimentações, lutas, em função da busca de alternativas. Essas alternativas já
estão se construindo em movimentos, experiências e lutas atuais.
Um exemplo de uma
luta desse gênero, de um brasileiro que é para mim o precursor do
ecossocialismo: Chico Mendes, um socialista confesso e convicto, e ecológico.
Chico Mendes organizou a Aliança dos Povos da Floresta para defender a floresta
como patrimônio comum dos povos indígenas e camponeses, patrimônio do povo
brasileiro em seu conjunto, e também da humanidade. A defesa da floresta é uma
causa do conjunto da humanidade porque, como se sabe, as florestas — em
particular a Amazônia — são os chamados “poços de carbono” que absorvem os
gases que estão na atmosfera. Se não houvesse essas florestas tropicais, o
processo de aquecimento global já teria escapado de qualquer controle e já
estaríamos no meio da catástrofe. O que ainda breca um pouco o processo são as
florestas tropicais. Na Aliança dos Povos da Floresta, Chico Mendes fez um
primeiro movimento em direção ao ecossocialismo, com a ideia de
propriedade comum, bem comum dos povos, bem comum da humanidade.
No Fórum Social
Mundial de Belém, em 2009, por exemplo, houve uma convergência interessante
entre movimentos indígenas, camponeses, ecologistas, de mulheres, entre outros,
em torno de uma exigência concreta em relação à Amazônia, ao Brasil, ao Peru e
a todos os países amazônicos: desmatamento zero já. É uma exigência imediata,
que tem a ver com a perspectiva de salvar a floresta tropical.
Outro exemplo
interessante na América Latina é o que se deu recentemente no Equador, onde há
um governo de esquerda, o do presidente Rafael Correa. Nesse país, há uma
região com um grande território de floresta tropical, onde vivem comunidades
indígenas, chamada Parque Yasuní. Para desgraça dos indígenas, descobriram
petróleo nessas terras. As multinacionais foram correndo para lá, pedindo
autorização para cortar a mata e extrair petróleo. Os indígenas resistiram,
protestaram, o protesto foi apoiado pela sociedade civil, pela opinião pública,
pelos ecologistas, pela esquerda. O governo, que é progressista, aceitou a
proposta dos indígenas e fez a proposição de deixar esse petróleo debaixo da
terra, mas pedir aos governos dos países ricos, do Norte, que os indenizem em
pelo menos metade do valor desse petróleo. Porque os países do Norte, da
Europa, estão dizendo que querem reduzir a emissão de gases, e a melhor maneira
de reduzir a emissão de gases é não queimar o petróleo e deixá-lo debaixo da
terra.
Essa é a proposta
para o Parque Yasuní. Há atualmente uma negociação entre o governo do Equador e
outros governos, e pelo menos um deles — o da Noruega — prometeu dar o
dinheiro. Já é uma vitória e um exemplo para outros países, como a Indonésia,
onde já está havendo mobilizações nesse sentido.
Mencionei a
manifestação de Copenhague, que também é um exemplo de esperança, de otimismo
da vontade, com 100 mil pessoas nas ruas exigindo a mudança do sistema. E essa
mobilização teve continuidade. De todos os governos que estavam em Copenhague,
só um se solidarizou com o protesto, o governo da Bolívia. Evo Morales saiu da
conferência e foi falar com os manifestantes, dizendo que eles tinham razão. E
ele convocou, depois, uma conferência na Bolívia, em Cochabamba, chamada
Conferência dos Povos contra o Aquecimento Global e em Defesa da Mãe Terra, que
foi um evento importante, com a participação de 30 mil delegados de movimentos
sociais, indígenas, camponeses, representantes da ecologia urbana, de
sindicatos, de organizações de mulheres, etc. A partir daí se lançou uma
campanha internacional. Esse tipo de mobilização e luta é a esperança de que a
coisa possa mudar. Em cima dessas experiências é que podemos
investir nosso otimismo da vontade.
–
Michael Löwy é sociólogo, filósofo e diretor emérito
de pesquisas em Ciências Sociais no Centro Nacional de Pesquisas Científicas,
da França (CNRS). É coautor, como Joel Kovel, do Manifesto Internacional Ecossocialista.
Este texto é a
conferência de abertura do Seminário Abong 20 anos, intitulada “Uma nova
concepção de desenvolvimento – Para superar o modelo produtivista-consumista”.
Fonte: Blog Cidadania (http://cidadaniaatual.blogspot.com.br/)
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