CIÊNCIAS SOCIAIS

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1 de ago. de 2010

TRANSTORNOS E CAOS DA TRANSNORDESTINA

Padre invoca Deus em favor dos desapropriados pela Transnordestina no PI

Tamanho da fonte: A polêmica envolvendo pequenos agricultores, o governo do Estado e a União, para a desapropriação de terras visando um trecho da construção da ferrovia Transnordestina na região Sul do Piauí, ganhou mais um capítulo nesta quarta-feira, 14. Figura emblemática na região, pela atuação na assistência dos agricultores, que sofrem com a seca, o padre Geraldo Gereon escreveu carta sobre o assunto.

O religioso critica a postura do governo que não consegue chegar a um acordo com os agricultores. Pelo menos 800 famílias ameaçam não sair da área por onde deve passar a estrada de ferro. O padre citou o exemplo de indenizações no valor de R$ 8,00.

“A ferrovia, na verdade, não tira apenas uma faixa de terra que, aliás, não é tão estreita. Ela acaba com a viabilidade de explorar estas pequenas propriedades rurais. Ela não indeniza estes prejuízos, mas deixa os donos sem condições de sobreviver, ou seja, na miséria”, ataca o padre Geraldo.

Leia a carta:

No dia 23 deste mês de março aconteceu na cidade de Simplício Mendes, uma grande reunião popular, equivocadamente chamada de audiência pública. A finalidade era de tratar do assunto que está revoltando centenas de pequenos proprietários rurais nos municípios de Simplício Mendes, Bela Vista do Piauí e São Francisco de Assis do Piauí, incluindo colonos de vários assentamentos governamentais e particulares, onde os lotes, na maioria, não têm mais de 25 hectares. É uma área onde predomina a agricultura familiar com as suas atividades diversificadas.

Os participantes desta reunião queriam tratar da problemática das desapropriações provocada pela implantação da ferrovia Transnordestina. Duas grandes queixas a respeito do assunto foram apresentadas: a invasão das pequenas propriedades pelos que demarcam o traço da ferrovia: sem explicações, esclarecimentos, respeito dos direitos dos legítimos donos. A segunda queixa refere-se aos baixos valores das indenizações. Citou-se o exemplo de um atingido que deve receber R$ 8,00 (oito reais).

A problemática particular da ferrovia é que ela é completamente cercada, isto é: não deixa senão algumas poucas passagens de nível, com distâncias longas entre umas e outras. Muitos imóveis divididos desta maneira vão ficar na seguinte situação: O dono abre a porta da sua casa, olha para a sua roça no outro lado da ferrovia e deve caminhar entre 4 e 6 quilômetros por dia para trabalhar sua terra. Outros, pior ainda, tem a aguada para o consumo humano e animal também no outro lado da ferrovia.

Eles têm de trazer a água para os pequenos rebanhos de caprinos, porcos, galinhas, e para as suas famílias nesse mesmo longo trajeto. Além disso: uma ferrovia procura os trechos planos e retos: portanto, pega os baixões com as melhores terras.
A ferrovia, na verdade, não tira apenas uma faixa de terra que, aliás, não é tão estreita. Ela acaba com a viabilidade de explorar estas pequenas propriedades rurais. Ela não indeniza estes prejuízos, mas deixa os donos sem condições de
sobreviver, ou seja, na miséria.

Este foi o grito que se levantou em Simplício Mendes. No entanto, as leis do país exigem, nos casos de empreendimentos desta magnitude, que o poder público realize “audiências públicas”, claramente definidas nos seus procedimentos, antes do começo das obras. Na região de Simplício Mendes nunca foi feito o que a lei determina. No caso da Transnordestina, as desapropriações são por conta do Estado. Nesta reunião de repúdio público não compareceram: Nem o Governo do Estado (Secretaria de Transportes), nem o poder judiciário que executa as desapropriações, nem os advogados da FETAG que dizem defender os trabalhadores rurais. Apenas os dois Defensores Públicos das comarcas envolvidas declararam que o papel deles é conciliatório e que os atingidos contassem com o seu apóio. Ninguém apresentou uma descrição clara com os detalhes das desapropriações (avaliações, preços etc.)

Apenas encenou-se um grito de dor e de revolta. Este, certamente, nem chegou ainda na capital do Estado. Quero aqui levar o assunto para um lado diferente. Tenho em mãos um livro editado em 1995, da autoria de Wellington Dias, hoje governador do nosso Estado, intitulado “Macambira”. O autor apresenta-se assim: “Sou um contador de história”. No seu livro ele traz 4 contos. O primeiro tem o título “Macambira”. A história é do dono da fazenda “Macambira”, no município de Simplício Mendes, o Senhor Henrique Santana. Esta fazenda estava localizada na área do Vale do Fidalgo, onde o DNOCS implantou o seu famoso Projeto de Irrigação, a partir de 1980. A área estendia-se até Paes Landim, terra onde moravam os pais do autor, Sr. Joaquim Felix e dona Teresinha, por sua vez amigos da família Santana. A fazenda “Macambira” tinha que ser desapropriada. O seu dono travou uma luta feroz contra essa medida. Muito temperamental, rude nas expressões e nos costumes, enfrentou uma longa batalha de resistência sem trégua, até finalmente ser vencido como pobre sem poder, com uma voz que não se escutou. Vou citar pequenos trechos da obra de Wellington Dias: “A ameaça de perder a fazenda abalou o grande Santana. Seu Henrique ficou enfermo. Tornou-se de poucas palavras, acuado no seu quarto, e quase não se alimentava. ...ele pronunciou com muita freqüência a mesma frase: ‘Não deixarei a minha fazenda Macambira ... ela é a minha vida.’

Dias depois chegou à fazenda Macambira uma equipe de avaliadores do DNOCS e pesquisadores da SUDENE. Antonio Santana foi encontrá-los na estrada. ‘Eu sou o filho do dono destas terras, ... é importante o que tenho a dizer. ...A minha mãe acredita que só uma pessoa pode fazê-lo aceitar a presença de vocês: é dona Teresinha. Ela mora em Paes Landim. Algumas horas depois dona Teresinha conversava com Sr. Henrique. Após muitos rodeios e explicações, ela argumentou: ‘Olha, Seu Henrique, eles vão fazer uma avaliação, contar árvores, verificar o estado das cercas, açudes, casas e outras benfeitorias da propriedade. Eles não tomam posse da terra. A terra é sua.’ ‘Não minha filha, não compreendo não. Mas vou aceitar em respeito a você.’ Sentenciou amargurado. Logo que deixou o aposento, ela desabafou em prantos com os familiares do velho einfermo: ...’Parece-me que não haverá jeito ... A lei é injusta, mas é a lei. ... As coisas vão de mal a pior. O governador é insensível, o governo não tem coração, não sente, não sofre como nós e será incapaz de entender o amor desse velho PR estes poucos hectares de terra e
suas coisas.’

Ela tinha razão. Por um preço três vezes inferior ao valor real da propriedade o caso foi dado por encerrado. Desabrigaram aqueles nordestinos como que arranca árvores pelas raízes com tratores e correntes.” “Ela”, a dona Teresinha, era a mãe de Wellington Dias, ainda hoje mora naquela região. O “contador de história” termina a sua narração: “Os homens do governo enviaram uma assistente social para formalizar o despejo. ‘Seu Henrique, eu trabalho para o DNOCS. Como já lhe disse: sou assistente social’ - ‘Pode ser do diabo, é do governo.’ – ‘O Senhor sabe o que é o DNOCS, seu Henrique?’ – ‘E quem não sabe? É um carro preto de placa branca, cheio de ladrões.’ Alguém teria de convencê-lo a assinar a ordem de despejo. ... Com alguns papéis na mão, dona Teresinha transpôs a porta encostada do quarto principal. ...’ Sei que é difícil, seu Henrique, mas a lei é a lei. Nós perdemos. Ela está do lado de quem a faz, como o Senhor disse, dos grandes. Injustamente eles ganharam a terra.’ Cinco anos depois, um grande deserto de terras abandonadas, muita pobreza, poucas plantações. Colonos estranhos na carroceria dos caminhões placas brancas. Macambira ... Projeto Morro dos Cavalos. É um projeto de nada. O velho Henrique Santana ... balança a cabeça como que abanando suas
últimas palavras.”

Todas as pessoas aqui mencionadas eu conheci pessoalmente, eu era o pároco daquele povo. Era tempo da ditadura, era perigoso discordar daqueles governos. Eu percorri, quase secretamente, todas as instâncias: governo estadual, DNOCS, SUDENE, para levar o clamor do meu povo ao coração dos responsáveis. O Superintendente da SUDENE me disse: “O senhor como teólogo sabe o que é ‘Dogma’. O projeto do Vale do Fidalgo é dogma para o Governo que tem que provar para o Banco Mundial que está fazendo reforma agrária, a fim de obter o financiamento para a barragem do Sobradinho. Ninguém pára este
projeto.”

Não obstante disso tudo, conseguimos, nestes contatos clandestinos, uma revisão do processo de desapropriação, com novos cálculos e preços, e uma redução da área desapropriada de 75000 hectares para 6000 hectares. Voltando para o drama da Transnordestina: Hoje vivemos num Estado de direito e democrático. Na visita do Governador, autor da obra literária que aqui citamos, à cidade de Bela Vista do Piauí, o prefeito daquela cidade fez um apelo dramático em praça pública em favor dos seus conterrâneos atingidos pela ferrovia. O Governador, no mesmo palco, respondeu que ninguém podia ser contra este projeto. A ferrovia, portanto, como um rolo-compressor, passa por cima dos nossos pequenos produtores – é “dogma”, e pronto.

O Senhor Governador poderia consultar-se com a sua mãe, dona Teresinha, a quem muito estimo e respeito. Ela deve lembrar as dores que passou, naquele tempo, ao lado dos amigos da fazenda “Macambira”. O governador Wellington Dias, ao lado da sua querida mãe, podia lembrar o tempo do “contador de história” Wellington Dias que relatou com tanta emoção o drama de um agricultor injustiçado pela desapropriação.

As igrejas católica e evangélicas tem toda razão para nos chamar à reflexão da Campanha da Fraternidade; “Economia e Vida”. A economia tem que estar a serviço da vida, construindo uma cultura de fraternidade e paz. Parece evidente: Quem vê o Brasil apenas na extensão geográfica e à luz dos índices econômicos, sofre de miopia mental.

Ilustrações: Ruke – do livro “Macambira”.

Padre Geraldo Gereon – São Francisco de Assis do Piauí.
Detalhe: O mesmo que está ocorrendo no Piauí também está acontecendo em PE, CE e outros Estados onde a mesma está sendo construída segundo relatos extra-oficiais, pois, os relatos oficiais (Estudos e Relatórios de Impactos Ambientais-EIA/RIMA) sequer mencionam estes e outros problemas... Podem constatar este fatos também no artigo anterior neste blog sobre os impactos sócio-ambientais da Transnordestina no Ceará...

Um comentário:

  1. isso esta acontecendo na nossa região ...
    ate agora esta trasnordestina so trouxesse prejuízo pra nossa região ...
    CURRAL NOVO DO PIAUI

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