CIÊNCIAS SOCIAIS

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22 de jun. de 2013

NENHUM PARTIDO VAI GANHAR COM PROTESTO, AFIRMA FHC...



Nenhum partido vai ganhar com protestos, afirma FHC
Ex-presidente diz que políticos vão fracassar se tentarem capitalizar movimento
Tucano duvida da capacidade que eles terão de entender a insatisfação expressada pelos jovens nas ruas
CASSIANO ELEK MACHADO DE SÃO PAULO
A trilha sonora na sala do apartamento do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, no final da tarde de quinta-feira, era composta por sirenes de carros e pelo barulho dos helicópteros que passavam a caminho dos protestos na avenida Paulista.
"As passeatas vão ser grandes?", perguntou à Folha. Aos 82 anos, completados na semana passada, o presidente está lançando um novo livro, sobre intelectuais que elaboraram grandes teorias sobre o país. Mas ele diz que nenhum teórico do passado poderia entender o que acontece hoje nas ruas.
Mais que isso, acredita que os políticos não têm condições de compreender a "insatisfação genérica" nem de capitalizá-la. "Tenho dúvidas se os partidos vão ter capacidade de captar tudo isso e transformar ao menos sua mensagem", diz. Leia a seguir trechos da entrevista.
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O sr. está lançando um livro sobre intelectuais que fizeram grandes interpretações do Brasil. Como estes pensadores ajudam a entender as recentes manifestações nas ruas?
Fernando Henrique Cardoso - Eles não entenderiam e nem poderiam entender. Vivíamos num mundo das classes organizadas, ou desorganizadas querendo se organizar. Estas são manifestações que não são expressões de camadas organizadas. A primeira manifestação disso que vi foi em Paris em 1968. E isso ainda sem a internet.
Qual a maior mudança?
Aquele era um movimento a favor da autonomia e da liberdade. Mas a França tinha sindicatos, partidos, organização. Agora, com a internet, e com a fragmentação maior de classes, é diferente. O comando é quase inexistente, vai se formar na rua. As demandas são muitas, o pretexto pode ser qualquer um. Esta situação me lembra um ensaio meu chamado "A teoria do curto-circuito".
Vivemos um curto-circuito?
Sim. O preço do ônibus foi um estopim. Ali está desencapado um fio. Mas aí pega fogo em outros. Não foi a classe dominada, mas os jovens. São eles que estão gritando, não os que não podem pagar. Gritam contra a injustiça em geral. Corrupção, PEC 37 [proposta que reduz poderes do Ministério Público], o custo dos estádios, dos transporte.
Por que a insatisfação?
Porque a vida é pesada nas grandes cidades. Há sofrimento com o transporte, a poluição, a segurança. São problemas que afetam a todas as classes. O pobre leva duas horas no ônibus sofrendo. O rico fica irritado porque fica uma hora no carro. O rico está cercado de guardas. O pobre não tem guarda, mas os dois estão com medo. Talvez tenha aí também o começo da inflação e do esgotamento do crédito, agindo por baixo disso tudo. Mas o foco é um mal-estar inespecífico. Não acho que qualquer partido possa, deva ou consiga capitalizar o movimento.
Esse movimento vai mudar a maneira de fazer política?
Alguma mudança ocasiona, mas não sei se os partidos vão ter capacidade de captar tudo isso e transformar ao menos sua mensagem e a ligação com fenômenos como as mídias sociais.
O sr. disse em entrevista recente que tinha dúvidas se as interações em mídias sociais poderiam ser concretizadas em ações políticas. E agora?
Não estamos vendo ações propriamente políticas. O grande teórico disso é o [sociólogo] espanhol Manuel Castells. Diz que a conexão entre redes e vida institucional não se processou, e tem dúvidas se vai se processar. Nenhum partido no Brasil tem ligação com isso. Os manifestantes não se sentem representados pelos partidos e nem sei se querem.
Como o sr. viu a imagem do [prefeito] Fernando Haddad junto com [o governador] Geraldo Alckmin [ao anunciar a redução da tarifa de ônibus]?
Acho compreensível. São símbolos do que está aí. É como a vaia da Dilma.
Lula foi vaiado nos Jogos Pan-Americanos, em 2007.
Foi diferente. Ao citar nome de autoridade em estádio é normal a vaia. Mas vaiaram [Dilma] muito tempo. Não sei se é contra a Dilma, em si, mas contra o que está aí.
Há um desencantamento?
Sim. As pessoas melhoraram de vida, mas o governo é tão propagandista de uma maravilha virtual que há um descolamento. Veja os nomes de programas de governo. É tudo marquetagem: "Minha Casa, Minha Vida", "Minha Casa Melhor". Criaram uma camada virtual de bem-estar que agora o pessoal questiona. O dia a dia é mais duro do que o que o governo diz.

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