CIÊNCIAS SOCIAIS

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31 de mai. de 2015

PARA REFLETIR: A REFORMA POLÍTICA, OS PARTIDOS POLÍTICOS E A REPRESENTATIVIDADE POLÍTICA NO BRASIL...



29 de maio de 2015 


As votações da chamada “reforma política” no Congresso acontecem num ambiente restrito e restritivo e o resultado pode ser um sistema político ainda pior do que o que temos hoje. Os partidos tem hoje o monopólio da política, a sociedade não participa das decisões e suas manifestações e protestos não são consideradas pelos que detém o poder. Havia um ensaio de debate sobre a reforma, com uma comissão encarregada de receber e encaminhar para análise do Congresso propostas como da OAB e da CNBB, mas até o trabalho dessa comissão foi desprezado agora no início das votações. Dessa forma, não estão sendo debatidas propostas de reforma para qualificar e atualizar o sistema político, mas pontos isolados (distritão, reeleição, financiamento etc), que podem ser aprovados ou não dependendo das negociações e disputas de interesses dos grupos que comandam os partidos. O resultado pode ser um novo monstro de Frankenstein, um arranjo na indústria eleitoral para garantir os privilégios de quem já tem poder.

O Brasil precisa de uma reforma política de verdade, que democratize o funcionamento das instituições e a escolha de seus dirigentes. A mudança no financiamento de campanha é necessária para impedir o abuso do poder econômico, mas o que está prevalecendo é a continuidade de um tipo de financiamento que propicia esse abuso. Como bem notou Aldo Fornazieri, com o financiamento compulsório do contribuinte via fundo partidário, os partidos estão se transformando em verdadeiras autarquias.  A possibilidade de candidaturas independentes, de pessoas que defendem um programa mesmo não sendo filiadas a partidos, poderia abrir as portas do Congresso à sociedade, mas o que está prevalecendo é o monopólio das atuais oligarquias partidárias. No momento em que a sociedade mais rejeita os partidos, querem dar mais poder a eles.

Na verdade, o que estamos vivendo é resultado do vale-tudo eleitoral, da ruptura de todos os limites éticos por parte daqueles que queria ganhar – e ganharam – as eleições a qualquer custo. Foi criado um ambiente que é ao mesmo tempo de intolerância e permissividade. Intolerância contra quem propõe mudanças, permissividade para quem faz barganhas fisiológicas. A montagem dos governos com distribuição de cargos por critérios partidários e eleitorais é apenas a aplicação, no Poder Executivo, de uma postura política anti-republicana em todos os níveis. É essa postura que a sociedade rejeita cada vez mais e que precisa ser mudada.

Esse debate ético é necessário. Afinal, ninguém precisa de uma lei para saber que não deve usar dinheiro ilícito, que não deve mentir e caluniar os adversários, que não deve defender interesses privados fingindo defender o interesse público. Esses preceitos não são de uma ética pessoal, eles são a base do contrato social. Sem sustentabilidade ética, a sociedade naufraga na crise generalizada e a política é rombo no casco que a faz afundar. As reais lideranças políticas do país tem nas mãos a responsabilidade de chamar a atenção de seus correligionários, amigos e aliados e incentivá-los a uma mudança de postura, sem a qual, jamais conseguirmos reformar as leis e as estruturas.


11 de maio de 2015
Artigo de Aldo Fornazieri, professor da Faculdade de Sociologia e Política de São Paulo, publicado em 11/05/2015




A recente triplicação do valor do Fundo Partidário, que passou de R$ 294 milhões para R$ 867 milhões, representa um passo a mais na estatização e na autarquização dos partidos políticos brasileiros. A dependência estatal dos partidos está relacionada a uma série de outros itens: programas gratuitos de rádio e TV nas campanhas eleitoras (pago com recursos públicos); verbas para os gabinetes parlamentares; cargos de livre provimento em organismos da União, Estados e municípios; recursos para institutos e “ONGs” partidárias; contratação de empresas e consultorias ligadas a partidos políticos etc.

A estatização dos partidos os leva à sua autarquização em relação à sociedade e ao eleitorado. Este conceito exprime a ideia de que os partidos dependem cada vez menos dos eleitores e de vínculos com grupos e movimentos sociais. Tornam-se cada vez mais autônomos. Isto, em parte, explica a crise de representação política.

Muito se tem discutido sobre a crise dos partidos e da representação. Um dos supostos básicos é o de que a crise dos partidos provoca a crise de representação. A tese é apenas parcialmente verdadeira, pois é preciso dimensionar melhor o que se entende por “crise dos partidos” e se ela é real ou suposta. Bernard Manin, por exemplo, declarou que estamos vivendo os estertores da democracia partidária. Mas, por onde quer que se olhe, os partidos continuam no comando apesar das crises econômicas e sociais, das guerras, do crescimento das desigualdades, do fracasso das políticas públicas e da incapacidade dos governos apresentarem soluções minimamente razoáveis para os problemas existentes. Em contrapartida, verificou-se, nos últimos tempos, o fracasso dos movimentos autonomistas, das organizações em rede e similares.

O mais provável, então, é que esteja ocorrendo uma metamorfose das organizações partidárias e sua adaptação às novas condições econômicas, sociais, culturais e tecnológicas do nosso tempo. Essa metamorfose traz como consequência uma dependência crescente dos partidos ao Estado e aos grupos econômicos e uma dependência decrescente em relação à sociedade e aos eleitores. É o Estado e são os grupos econômicos quem financiam os partidos e as campanhas eleitorais. As campanhas eleitorais executadas pelos meios de comunicação de massa (rádio e TV), a internet e as redes sociais colocaram nas mãos dos partidos meios de propaganda que dependem cada vez menos da mobilização de militantes e de grupos sociais.

A crise de representação, por seu turno, é real. As pessoas se sentem pouco representadas pelos partidos, pelos políticos e pelas instituições do Estado. Se a estatização provoca o fenômeno da autarquia dos partidos, então ela é um elemento da crise de representação, mas não explica a totalidade dessa crise. O surgimento da democracia monitória (instituições e organizações que criticam e fiscalizam os partidos e os políticos) também gera a perda de confiança e de capacidade representativa dos partidos.

Por outro lado, é preciso levar em conta que a própria sociedade civil está se tornando cada vez mais complexa. As pessoas se agregam em inúmeros movimentos, organizações, grupos e entidades que também passaram a exercer papéis de representação e de reivindicações que extrapolam apenas os interesses salariais. Esses entes se mostram mais flexíveis e permeáveis e menos burocráticos do que os partidos e, consequentemente, exercem mais atratividade sobre os jovens e outras pessoas que buscam algum tipo de participação. O acesso que eles têm a autoridades políticas e às casas legislativas tornam os partidos prescindíveis como elementos de mediação e ligação, e transformam a democracia numa espécie de democracia de audiências. Assim, a autarquização dos partidos requer apenas identidades fracas entre o partido e os militantes e o partido e seus eleitores. Para os partidos mais fortes, o que importa é vencer eleições e para os mais fracos, se associar aos partidos vencedores. As eleições se tornaram o principal meio de acesso a recursos estatais, cargos e recursos de campanha.

Liderança fraca e partido-agência – A dissolução das ideologias, a indiferenciação entre os partidos, a sua burocratização e autarquização, o seu baixo nível de dependência da militância e dos grupos sociais, a pasteurização das campanhas pelo marketing o enfraquecimento da necessidade de mobilização da sociedade e da militância para vencer eleições, constituem um conjunto de elementos que enfraquecem também a necessidade de líderes políticos fortes. Líderes políticos fortes, carismáticos e autênticos só surgem em contextos sociais de mobilização e de luta. Cada vez mais, aqueles líderes cedem lugar a políticos de baixo perfil de liderança, a políticos que mascaram suas identidades com a fisionomia de gestores, mas que, quase sempre, são carreiristas, oportunistas e corruptos.

O que existe hoje, portanto, é uma democracia de paradoxos: os partidos representam cada vez menos, são cada vez mais fracos junto à sociedade, mas, ao mesmo tempo, mais fortes no poder. A crise de representação dos partidos não abala seu poder. Pelo contrário, o fortalece por estarem os partidos cada vez menos sujeitos à pressão da sociedade.

No início do século XX, Max Weber e Robert Michels já consideravam que a crescente burocratização, racionalização, hierarquização e oligarquização dos partidos políticos os tornariam cada vez menos dependentes da militância e das massas. Weber via os partidos se transformando em “maquinas de poder”, funcionando mais como empresas agregadoras de interesses econômicos. Na medida em que os partidos são cada vez mais estatais eles se assemelham com agências que fazem a mediação dos interesses dos grupos econômicos com o Estado. O próprio discurso dos interesses gerais da sociedade perde relevância na retórica dos partidos, cedendo espaço para o discurso dos interesses grupais e particulares.

Se nesta democracia de paradoxos a crise parece ser menos dos partidos e mais de representação, a atenção deve ser deslocada da preocupação com a salvação dos partidos para a preocupação com a geração de novas formas de representação e de participação política da sociedade. A lacuna existente entre os representantes e os representados não só vem aumentando, mas se torna cada vez mais insanável à medida que os partidos se interessam cada vez menos pela militância e pelos seus vínculos sociais e à medida que a sociedade se interessa cada vez menos pelos partidos. Mas a sociedade não deixa de manifestar seu desconforto e descontentamento para com a representação. Será a sociedade civil, cada vez mais complexa e plural, que poderá fazer surgir novas estruturas de representação. Só faz sentido apostar na criação dessas estruturas se elas significarem desconcentração de poder e ganhos em termos de participação e decisão democráticas.




Fonte: http://infograficos.oglobo.globo.com/brasil/mapa-dos-sistemas-eleitorais-no-mundo.html, 28/05/2015

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