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Brasil, corrupção bate tráfico de droga na indústria de lavagem de dinheiro
O volume de recursos públicos desviados no país
fez surgir uma sofisticada indústria de lavagem de dinheiro a serviço de
políticos, empresários e servidores públicos. A lavanderia brasileira tem hoje
estrutura profissional, com métodos cada vez mais difíceis de serem
descobertos. Na avaliação de investigadores, os crimes contra a administração
pública direcionam mais recursos sujos para a lavagem que o tráfico de drogas -
que tradicionalmente movimenta somas expressivas e sempre desafiou as
autoridades de combate a ilícitos.
Só nos inquéritos em curso a Polícia Federal
apura, atualmente, desvios de R$ 43 bilhões dos cofres da União. Desse total,
R$ 19 bilhões se referem às perdas da Petrobras investigadas na operação Lava
Jato. O montante é o triplo do admitido até agora pela estatal. O valor
recuperado ou bloqueado somente nessa operação é, por ora, de R$ 2,5 bilhões -
oito vezes mais que o valor de bens apreendidos de traficantes em todo o ano
passado.
"O dinheiro sujo hoje no Brasil não é só
droga, é principalmente desvio de recursos públicos, porque é muito fácil. É bi
(bilhão), bi e bi. A lavagem é assustadora", diz um dos chefes do combate
à corrupção na Polícia Federal. Estimativa da ONU divulgada em 2012 indica que,
considerando todas as esferas de governo, o desvio de recursos públicos já
chega a R$ 200 bilhões por ano no País.
Para o diretor do DRCI (Departamento de
Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional) do Ministério da
Justiça, Ricardo Saad, essa constatação é resultado da mudança de foco.
"Antes tinha-se a percepção de que era o tráfico (que mais lavava
dinheiro); hoje as autoridades estão mais voltadas em combater a corrupção. O
número de processos está muito nivelado."
Complexidade
Nas últimas duas semanas, o Estado ouviu 15
autoridades que atuam em casos de corrupção sobre os novos mecanismos
utilizados para reciclar as riquezas obtidas por organizações criminosas e dar
a elas fachada legal. Para delegados, procuradores, juízes e responsáveis pelo
setor de inteligência financeira, essa arte ficou mais complexa. "Tudo
ocorre no mundo das sombras. Mas, para ambos os crimes, as cifras são
expressivas, considerando apenas os casos conhecidos", disse o juiz
federal Sérgio Moro, que atua na Lava Jato.
De meros operadores do mercado clandestino de
câmbio, doleiros viraram "bancos" de dinheiro sujo e especialistas em
gerir o caixa 2 de empresários corruptores. Bancos internacionais oferecem a
clientes VIP produtos para ocultar suas fortunas no exterior, seja qual for a
origem. O dinheiro das quadrilhas brasileiras se desloca de tradicionais
paraísos fiscais na Europa e no Caribe para destinos na Ásia e Oceania, cujas
autoridades não têm tradição de colaborar com os investigadores brasileiros.
Principalmente em casos de corrupção, que
envolvem a blindagem de políticos e altos funcionários públicos, as
organizações criminosas contratam profissionais altamente especializados, os
chamados "gatekeepers" (porteiros ou "abridores de
portas"), como consultores financeiros, contadores e advogados. A tarefa é
organizar as operações financeiras complexas para movimentar o dinheiro de
origem ilícita e criar estruturas societárias para ocultar a real propriedade
dos valores.
'Terceirização'
"Uma das características da lavagem de
dinheiro moderna é a profissionalização, outra é a complexidade, e outra, a
internacionalidade. Essas pessoas, como o (doleiro Alberto) Youssef, são
lavadores de dinheiro terceirizados", afirma o procurador da Operação Lava
Jato Deltan Martinazzo Dallagnol. Ele explica que os criminosos de colarinho
branco estão dispostos a pagar altas comissões por uma operação supostamente
indetectável.
Em depoimentos prestados em regime de delação
premiada na Lava Jato, o ex-diretor de Abastecimento da Petrobrás Paulo Roberto
Costa disse que, ao dividir as propinas milionárias do esquema na estatal, 60%
dos valores ficavam com partidos políticos e 20% cobriam custos, como a
montagem de empresas de fachada, o pagamento de tributos, a emissão de notas
frias e o pagamento de "gatekeepers". Os outros 20% eram divididos
entre ele próprio e o doleiro Alberto Youssef. "Se você for pensar,
ninguém precisava de Youssef ou de operador. Mas eles entram como catalisadores,
para facilitar a lavagem", acrescenta o procurador.
Tecnologia
Novas formas de "reciclar" dinheiro
sujo estão surgindo com a inovação tecnológica. É o caso das moedas virtuais,
como as "bitcoins", e dos meios de pagamento como cartões pré-pagos,
formas fáceis de fazer transitar fortunas sem chamar a atenção. "São eles
(os criminosos) correndo na frente e nós atrás", diz um dos chefes do
combate à corrupção da Polícia Federal. O que não significa que métodos
arcaicos tenham sido abandonados.
Um outro dirigente da corporação faz uma
autocrítica: "As pessoas também utilizam as estruturas mais simples porque
está correndo frouxo. A repressão do Estado não está sendo a contento para as
pessoas deixarem de fazê-lo".
O diretor-geral de Combate ao Crime Organizado da
Polícia Federal, Oslaim Santana, afirma que o Brasil tem feito nos últimos anos
acordos com outros países para receber informações sobre recursos desviados da
administração pública, escondidos no exterior, em troca de fornecer dados sobre
organizações internacionais de tráfico de drogas. "O que nos interessa, o
que mais aflige a população brasileira, é a corrupção. Eu digo a eles: 'Eu
combato o tráfico internacional, mas preciso saber quais são os brasileiros que
têm dinheiro lá fora'. Ingleses, franceses, americanos começaram a repassar
reportes (relatórios) a partir disso", diz.
'Lição'
Na avaliação do secretário nacional de Justiça,
Beto Vasconcelos, "não há afrouxamento, mas endurecimento da atuação do
Estado" no combate ao crime. Ele cita como exemplo a criação de órgãos de
inteligência financeira, como o Conselho de Controle de Atividades Financeiras
(Coaf), a SuperReceita e o próprio Departamento de Recuperação de Ativos e
Cooperação Jurídica Internacional do Ministério da Justiça.
Tem ainda o fator sorte: "Uma coisa que a
gente aprende é que não existe segredo eterno. Sempre vai ter alguém que vai
contar, um desentendimento no grupo criminoso e, sobretudo, a técnica do ex:
ex-mulher, ex-sócio, ex-empregado." As informações são do jornal "O
Estado de S. Paulo".
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